Versões

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sábado, 5 de julho de 2014

Autobiografia


Nasci desenhando... Bom, pelo menos é assim que me lembro desde a mais tenra idade. Tanto foi que comecei a alfabetizar-me a contar dos quatro anos, coisa rara na época!
Meus sonhos eram somados a uma educação rígida, legada por minha mãe, e a educação formal tradicional, fornecida pelas escolas, em contrapartida ao carinho estimulador de meu pai. Via-me artista a começar pela infância. Com o desenho imaginava o que era inimaginável, criava situações, vivia outras vidas, outras histórias... Mas não tardaram, os adultos ruíram com os meus sonhos, me disseram que “artista” não era profissão, então, em minha trajetória escolar, fui obrigada a eleger outro tipo de profissão.
A tão singular pergunta me foi feita: “O que você quer ser quando crescer?”. Puxa! Eu não havia decidido ainda! “Gosto de desenhar...” Timidamente, eu disse. Foi neste momento que novamente suscitou o antigo sonho, minha prima, a questionadora, simplesmente falou-me: “Faça Educação Artística”. Meu futuro foi decidido naquele instante.
Nunca tive um professor de Artes que me marcasse minha trajetória, aliás, foram muitas as decepções no, então chamado, “Ginásio”, em muitas disciplinas.
Ao ingressar no “Colégio”, atual Ensino Médio, me deparei com a possibilidade do ensino profissionalizante; ainda melhor, curso profissionalizante em desenho Arquitetônico. Ah! Seria Arquiteta! Assim pensei.
Após um ano de ensino básico, no momento da escolha, uma junta de professores reuniu todos nós, alunos, no anfiteatro da escola, e anunciaram que o tão desejado curso havia sido excluído. Dentre os existentes, optei por Magistério. Foi quando comecei a carreira. Primeiro tive turminhas de Educação Infantil, logo mais fundamental I e o grande desafio de alfabetizar. Em trabalho voluntário, ministrei alfabetização de adultos e, finalmente... graduei-me em Educação Artística, com habilitação em Artes Plásticas. Ingressei como professora efetiva na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, realizei o sonho.
Em minha prática docente, sempre respeitei o aluno como o ser humano que é. Através da Arte, procurei instigá-los a curiosidade, a criticidade, a interpretação de fatos e a argumentação. Estabeleci um relacionamento de professora, que entendia suas dificuldades e a realidade que viviam, mas, em contrapartida dizia-lhes que o mundo não precisa ser só o que era imposto e que eles podiam ampliar a vivência muito além da comunidade que nasceram (não menosprezando as origens, mas a partir dela traçar metas e objetivos). Tentava lhes mostrar que a Arte sempre fora elitizada e que eles estavam tendo a oportunidade de olhar criticamente para acontecimentos que envolveram, marcaram e influenciaram a história do mundo. Deste trajeto depreendi vitórias e algumas quedas, mas com certeza, presenciei várias transformações.
Numa época em que a comunicação tecnológica impera, deveríamos saber filtrar, interpretar e formar nossas próprias ideias, e sempre procurei passar esses valores para meus alunos. Sempre amei Arte, sempre amei dar aula. Instigava, questionava, incitava, provocava e, por vezes até, persuadia o aluno a ir além dos limites que ele mesmo se impunha. Nunca gritei em sala de aula, mas o respeito adquirido através da práxis não permitiu que fossem estabelecidas barreiras, pois eles percebiam que eu preparava as aulas, que eu me importava com a mínima atividade que faziam e que eu me importava com eles, essas percepções faziam a aula fruir, mesmo nas salas ditas “difíceis”.
Nunca fiz pedagogia, nunca li os autores que falam da prática docente, se acertei em algo foi intuitivo. Mas hoje, no curso de pós-graduação, me questiono: será que foi tão intuitivo?
No Ensino Médio foram dois os professores que marcaram minha vida, Professora Suely e Professor Rigo. O que eles tinham em comum? Eles eram professores da disciplina de História. Seria injusto escolher um, tinham muito em comum. Com eles constatei que a educação ia muito além dos maçantes questionários e resumos de imensos textos que ninguém nunca lia. Percebi que eu, como aluna, poderia analisar, interpretar e concluir. Compreendi que imaginação e criatividade eram qualidades, e que não havia mal algum em ter criticidade. Formei-me professora, da mesma forma me formei uma pessoa com novos horizontes. Valores que levei comigo para a sala de aula em todos os estágios que a ministrei.
Como característica pessoal, sempre gostei do ser humano e sua diversidade, sou uma profunda admiradora e observadora de pessoas. Acredito em mudanças, acredito que o ser humano, em seu íntimo, pode ser bom por trás da crueldade. Acredito que as maiores mudanças podem acontecer no período que o jovem faz o seu percurso escolar, não que a escola seja a única formadora, mas é grande parte. Acredito que uma reforma educacional, com mudanças de olhares de todos os atores, poderia mudar o mundo.

Alguns disseram que eu era sonhadora, mas acho que não existe mal nenhum em sonhar, principalmente quando vemos nossos sonhos se tornando realidade. Claro, em parte, porque ninguém muda o mundo. Mas podemos tentar, não é?